30 dezembro 2010

O Nelson das Pipocas e o Hugo das Farturas

(estamos na quadra do Natal e por isso vou fazer uma pausa nas minhas indignações. Em vez disso hoje vou relatar-vos uma história da vida real. Podia ser uma história de Natal... mas não é.)

Em tempos tive como vizinho no prédio um homem que tinha uma daquelas caravanas de farturas, pipocas, churros e cenas do género. A caravana dizia "Pipocas Nelson", por isso, e com alguma justiça, suponho, sempre o apelidei de Nelson das Pipocas. Havia também uma mulher, que também morava no prédio e também aparecia na caravana, mas nunca soube o nome dela, por isso, para efeitos desta história, vamos chamar-lhe, sei lá, Idalina, por exemplo. Nunca falei com eles além do habitual bom dia / boa tarde ao cruzarmo-nos no elevador, até porque eles não iam às reuniões do condomínio, que eram praticamente as únicas alturas onde eu dizia mais que bom dia / boa tarde aos meus vizinhos.

A caravana era presença regular nas festas de Cantanhede (ainda é), por isso, quando o assunto vinha à conversa, era até com algum orgulho que eu dizia que era vizinho do Nelson das Pipocas.

Até que um dia... tudo ficou virado do avesso.

Uma bela manhã um agente da polícia abordou-me à entrada do prédio. Perguntou-me:

- Diga-me uma coisa. Você conhece aqui no prédio um Hugo que vende farturas?

Eu achei estranha a pergunta, mas respondi, confiante:

- Hugo? Não... Conheço é um Nelson que vende pipocas!

O homem olhou para mim com cara de poucos amigos, pronto para me dar um sermão por estar a gozar com a autoridade.

- Como?
- Sim, há aqui um Nelson que vende pipocas. Mora no segundo direito. Agora Hugo, não conheço.

E com isto o homem mandou-me embora e foi tocar na campainha do segundo direito. E eu lá fui, mas fiquei a matutar naquilo. É pá... Hugo que vende farturas? Quem é o Hugo que vende farturas? Será que me enganei?

Durante uns tempos não soube mais nada. Mas as teorias fervilhavam na minha mente. Provavelmente Hugo e Nelson viviam os dois na mesma casa, com Idalina. O Hugo tratava da parte das farturas, e o Nelson da parte das pipocas. Será que faziam um ménage-a-trois com Idalina? Parecia-me estranho visto que nunca tinha visto ninguém no prédio que correspondesse ao Hugo das Farturas, mas eu morava no quarto andar e dali não dava para saber o que se passava no segundo. Ou então, o homem que eu conhecia era o Hugo das Farturas, e o Nelson das Pipocas, que não morava lá, tinha-lhe vendido a caravana, permitindo a Hugo e Idalina continuarem o negócio.

Mas a minha teoria preferida é que não só Hugo tinha tomado a caravana de Nelson, mas tinha tomado também Idalina e o apartamento. O Nelson das Pipocas seria um homem acabado, que não teria resistido ao evoluir dos tempos e das mentalidades, e cujo império que a muito custo e ao fim de muitos anos tinha conseguido construir, um império à base de pipocas, tinha sido usurpado por jovens oportunistas e sem escrúpulos como esse Hugo. Nesse tempo haviam histórias (com ou sem fundamento, não sei) de discussões no segundo direito. Eu imaginava que essas discussões eram alguma coisa deste género:

- Idalina! O que estás a fazer agarrada a esse homem?
- Nelson, já não quero nada contigo! Eu amo o Hugo e vou-me casar com ele!
- O quê? Mas ainda ontem me dizias que me amavas e ao meu império de pipocas!
- Meu Deus, Nelson! Ainda vives na idade da pedra? Pipocas, Nelson? Quem é que quer saber de pipocas? Farturas é o que está a dar! O Hugo é um homem com visão! Vamos fazer daquela caravana a melhor caravana de farturas do mundo!
- Não! Tudo menos a minha caravana!
- Esqueces-te que eu tenho direito a metade dela? E vais vender-nos a outra metade se não queres que eu e o Hugo te façamos a vida negra! Ai, farturas... o que eu não dava agora por uma fartura!
- Idalina...

Enfim... os meses foram passando, e eventualmente Nelson/Hugo e Idalina saíram do apartamento. Continuava a vê-los na barraca de farturas, mas nunca mais soube nada deles. Até que um dia cheguei à caixa do correio e estava lá uma carta, no sítio onde normalmente colocam as cartas com endereços errados para serem devolvidas. Peguei na carta para ver para quem era.

A carta era para o segundo direito. E era dirigida a um "Hugo Nelson".

E então fez-se luz na minha cabeça. De repente, tudo fazia sentido! Não pude esperar para contar a novidade à minha esposa. O elevador estava ocupado, por isso subi as escadas de dois em dois degraus até ao quarto andar. Abri a porta e gritei, ofegante:

- Mulher! Anda cá depressa! Consegui! Consegui descobrir o mistério!
- O que é que foi, homem? O que é que se passa?
- O Nelson das Pipocas e o Hugo das Farturas... são uma e a mesma pessoa!!!

03 dezembro 2010

Quem quer ser capa da TV Guia? (Parte 2... onde é que eu já li isto?)

Vejam aqui a primeira parte deste artigo.

Por dentro a TV Guia é uma revista cor-de-rosa igual às outras: apanham-se as celebridades em flagrante na praia, descobre-se quem é que namora ou que deixou de namorar, regista-se quem foi despedido, ou se zangou com alguém, ou está a morrer, porque tudo isso vende. Tem as crónicas de pessoas respeitadíssimas como Carlos Castro e Carlos Dias da Silva, que se entretêm a dizer mal dos vestidos das celebridades ou a comentar com língua viperina o último "escândalo". Os amigos do casal, aqueles personagens que se dispõem a contar os pormenores mais sórdidos da uma nova relação, e que muitas celebridades já vieram dizer que se realmente tivessem amigos destes não precisavam de inimigos, são uma constante.

No entanto, a TV Guia tem alguns pormenores interessantes. Primeiro pormenor: o Tony Carreira tem que aparecer na revista todas as semanas. E quando digo todas quero dizer mesmo todas. Não há uma só edição da revista em que não apareça uma história dele ou de algum elemento da família, e se houver, estou certo que o cantor ou o seu clube de fãs não deverá hesitar em processar a TV Guia. Com a Alexandra Lencastre é quase, quase a mesma coisa, mas neste ponto o Tony Carreira é especial. Cerca de 80% das edições de revista têm duas páginas dedicadas ao cantor, e há sempre matéria para escrever, nem que se vão buscar histórias de há 5 anos antes.

O segundo pormenor são as secções "Isto é Verdade?" e "Onde já li isto", onde a TV Guia se entretém a cascar forte e feio na concorrência. Na primeira a TV Guia analisa as notícias da concorrência e dispõe-se a confirmar ou a refutar essas notícias, embora naturalmente refute mais do que confirme. Mas a segunda é a minha preferida, a verdadeira pérola da revista. Na rubrica "Onde já li isto" a TV Guia confronta as datas de saída das notícias na sua própria revista e nas revistas da concorrência, deixando bem claro que a TV Guia foi a primeira a lançar a notícia, e que as outras, de certa forma, copiaram a notícia que tinha sido dada por ela, tudo isto com um tom de gozo e de desdém impressionantes:


O tom de sarcasmo, de ataque pessoal com que estas críticas à concorrência são feitas é tão sincero, tão libertador que eu imagino os empregados da TV Guia a revezarem-se para serem eles a escrever a rubrica em cada semana, com gritos de "Escolhe-me a mim! Esta semana sou eu! Já há uma data de semanas que não sou escolhido! Eu também quero escrever a rubrica!", e por fim a pular de alegria e excitação quando finalmente são escolhidos.

Apesar de tudo, há qualquer coisa que me faz desconfiar. Primeiro, a TV Guia nunca avisa quando são os outros a dar a notícia primeiro que eles. Será que eles são os primeiros de todas as vezes? E o que dizer do tempo que leva desde que a notícia é dada na TV Guia até que é dada noutra revista, que por vezes é de um, dois, três meses? Será que as outras revistas cometem mesmo o erro crasso de dar uma notícia três meses depois de esta surgir? Eu tenho outra teoria. Eu acho que a TV Guia inventa as notícias primeiro, e depois confirma se é mesmo verdade. Às vezes acerta. A coisa funciona mais ou menos assim:


Por vezes acontece ao contrário e as histórias até são verdadeiras e não são inventadas (OK, a maior parte del... metade d... algumas delas.). E nestas situações a TV Guia joga a sua carta de dentro da manga, que é simplesmente usar o facto de a TV Guia sair à Segunda e a Maria sair à Quarta (ou qualquer coisa do género, eu não compro as revistas, como é que querem que eu saiba?) para poder dizer que a segunda copiou pela primeira! Mais incrível ainda, chegam a acusar o DN de plágio por apresentar as notícias no mesmo dia da revista! Really????? Para quando um Onde Já Li Isto de um jornal que coloca as notícias no dia anterior ao da TV Guia, para o acusar de copiar, através de poderes psíquicos, as notícias no momento em que elas estão a ser escritas?

Por fim, o conteúdo. Vamos lá ver, a acusação de plágio seria grave e pertinente se a TV Guia tivesse sido a primeira a reportar um escândalo de pedofilia, ou uma mudança de mãos do comando de uma das principais televisões, ou simplesmente o próximo projecto de um actor. Mas o que nos aparece é: "Ai, nós fomos as primeiras a dizer que a Joana e o Eduardo se iam casar na novela das sete, perdão, da uma da manhã! A Maria só se lembrou disso dois meses depois!" Sim, e? Mesmo para as pessoas que vêem a novela, não é um bocado chato ter revistas a andar por aí a contar o final da história? E mesmo para quem gosta de saber o final, pelo menos a Maria tem timing, coloca a previsão uma semana antes do acontecimento, e assim não fica esquecida. "Ai que burras, só agora é que sabem que a Rita Pereira namora? Já há um mês que nós sabíamos que eles já moravam juntos!" Who cares? Porque é que não deixam mas é a Rita Pereira em paz e vão escrever sobre programas de televisão, sobre programas de televisão, que é o que uma revista chamada TV Guia devia fazer?

Não queria acabar sem mencionar o mais recente estado de tristeza e revolta de famosos como a Alexandra Lencastre, o Tony Carreira e a Luciana Abreu. Sentem-se desprezados, e não é para menos. Desde que a Casa dos Segredos arrancou na TVI, nunca mais foram vistos, pois não há uma capa da TV Guia desde o início do programa (já lá vão 10 semanas!) que não seja de um concorrente do mesmo. Cheira-me que vamos ter um processozinho colectivo...